Sanatório Padre Bento de Guarulhos

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Antigo prédio é referência histórica na cidade

(Foto Acervo Arquivo Histórico de Guarulhos)
Anos 30. São Paulo adota o isolamento em massa como método de evitar a propagação de pessoas com lepra e tuberculose. A internação compulsória acontece como uma caça às bruxas no Estado, onde as pessoas eram capturadas em suas casas e internadas à força.

Segundo a doutora
do Núcleo de Memória do Instituto de Saúde do Estado de São Paulo, historiadora e professora Yara Nogueira, em entrevista concedida ao portal de notícias on line da cidade [17/Jun/2005], os primeiros enfermos que vieram para o Brasil, de acordo com documentações sobre incidência de pessoas com lepra (hansenianos), eram nômades e teriam vindo para o país com os colonizadores, mas ninguém os queria por perto. "Houve uma urbanização pelo modo de contágio. Os doentes eram identificados, retirados à força de suas casas e levados para longe. Era uma verdadeira caçada pelo Estado", conta Yara.

São Paulo foi o único Estado no Brasil que adotou o isolamento em grande escala, investindo muito na construção de asilos, a partir da década de 20. O primeiro asilo-colônia foi construído em Guapira, no Jaçanã (SP), hoje Hospital São Luiz Gonzaga. "Descumprindo decreto em 1963, que proibia a internação compulsória, São Paulo continuou prendendo, durante mais cinco anos, portadores da doença a mão armada", explica a historiadora. Em qualquer outro estado do país o paciente teria direito a tratamento ambulatorial, afirma.
(Desenho de Jules Martin)
Além do isolamento do mundo devido à distância, censura de correspondências, muros e cercas, o portador da doença vivia em dupla separação também dentro dos asilos: os doentes dos não doentes. O trabalho de enfermagem era feito pelos próprios pacientes. Os técnicos em enfermagem começaram a aparecer somente nos anos 60. E nos palatórios - locais específicos de visitação - os hansenianos eram separados por cercas de arame num corredor de, aproximadamente, um metro e meio de distância de suas famílias.

Inaugurado no dia 5 de junho de 1931, o antigo Complexo Hospitalar São Paulo foi uma casa de saúde para doentes mentais. Adquirido pelo Governo do Estado no mesmo ano, transformou-se em Sanatório Padre Bento, entre os bairros Jardim Tranquilidade e Gopoúva, na zona oeste de Guarulhos, onde moradores da região acreditam que o lugar é mal assombrado, e que durante a noite é possível ouvir gritos dos pacientes aprisionados que marcavam, com as mãos de sangue, as paredes do local.

(Foto Acervo Arquivo Histórico de Guarulhos)

Entretanto, superstições a parte, pouca gente sabe que o Sanatório em Guarulhos foi referência em casos de hanseníase na Grande São Paulo. E serviu como uma espécie de cartão de visitas do Governo do Estado para mostrar a política de combate à hanseníase. Mantém a estrutura preservada e alguns traços do seu passado até hoje. Tornou-se um lar para pessoas portadoras do Mal de Hansen (como é chamada a doença) e possuía uma infra-estrutura com salões de festas, salões de jogos, móveis e objetos de decoração agradável. Mas não deixava de ser uma prisão como os asilos.

Diminuindo o Sofrimento

A historiadora da Secretaria de Cultura de Guarulhos, Glaucia Garcia de Carvalho, conta que o lugar era triste. Havia muita injustiça e, principalmente, preconceito por parte dos próprios médicos que abriam as portas do local a chutes, para não tocarem nas maçanetas com medo de contágio, pois na época, ainda não havia cura para a doença. Os moradores da região passavam em frente ao Hospital com receio de se contaminarem.

Mesmo funcionando como exílio para os pacientes-prisioneiros, o Sanatório Padre Bento era diferente. Ele era o mais agradável em quesito de estrutura física e recebia as pessoas com a doença em sua forma inicial, sem risco de contaminação. Mas havia exceções aos casos graves, para pessoas indicadas por políticos ou indivíduos influentes na sociedade.

Com uma grande demanda de pacientes o Governo foi obrigado a adquirir terrenos próximos às imediações do complexo, cerca de 90.000m², para construir novos pavilhões. Assim, iniciaram-se as construções de casas e do campo de futebol cujas arquibancadas têm influência do estilo inglês. Em 1937 recebeu um cine-teatro de arquitetura art decó e a Igreja Paróquia São Charbel - Sagrado Coração de Jesus, antiga Nossa Senhora dos Nós Atados, que serviu como a primeira rádio Difusora de Guarulhos feita pelos próprios internos.

Por muitos
anos, o mundo para essas pessoas limitava-se aos muros do prédio, mas também começou a ser considerado uma vila de sobreviventes da solidão derivando uma estrutura social que se encontra até os dias de hoje.

A construção foi tombada pelo Conselho Consultivo Municipal do Patrimônio Histórico em 2000 e dois anos depois o campo de futebol localizado próximo ao prédio também foi tombado.

O teatro, por sua vez, existe a mais de 70 anos. Construído nas dependências do Sanatório, foi projetado pelo engenheiro Francisco Palma Travassos que apresentou o projeto aos pacientes que também trabalharamna construção do prédio e funcionou exclusivamente para todos os internos. Foi usado como cinema, teatro amador, ambiente para festas e atividades de cultura e lazer.

Abandonado e quase perdido no tempo, foi recentemente restaurado pela Prefeitura de Guarulhos e a Associação Cria Brasil com apoio da Petrobrás entre abril e dezembro de 2007, ano que completou 70 anos. Na sua primeira reconstrução, o teatro manteve as características originais (pisos, pintura, estilo) e foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e pelo Conselho Municipal do Patrimônio de Guarulhos.

O teatro luxuoso proporcionou aos pacientes animados bailes onde eles puderam dançar, ver filmes e shows de nomes importantes da música brasileira na era do rádio, além de participarem de conferências e peças de teatro, executadas por eles mesmos, segundo a Associação Cria Brasil.

Uma entidade criada no mesmo ano da criação do Sanatório, era mantida por meio de contribuições e donativos dos próprios internos e de seus familiares, além de empresas e da sociedade paulista.

(Campo de Futebol e Teatro Padre Bento em Guarulhos)
Consequentemente, com o fim do Sanatório o Teatro Padre Bento foi incorporado à cidade de Guarulhos, transformando-se no cinema dos bairros Gopoúva e Jardim Tranquilidade. O local foi de grande influência para a convivência e humanização daquelas pessoas, que encontravam uma alternativa de reinventar novas formas de viver.

Hoje em Dia

Segundo a Organização Mundial de Saúde, hoje a hanseníase atinge cerca de 1 milhão de pessoas e o Brasil está entre os cinco países que ainda não conseguiram eliminar a doença. Além disso, cerca de 2 a 3 milhões de pessoas ficam incapacitadas pela doença. Para o Ministério da Saúde o número de casos novos de hanseníase no país caiu 23% entre 2003 e 2007, mas são registrados cerca de 50 mil novos casos por ano no país.

Atualmente são realizados diagnósticos e tratamentos à base de três medicações oferecidas gratuitamente pelo programa de Hanseníase em São Paulo, desenvolvido nos Postos de Saúde da cidade. O paciente deve comparecer mensalmente ao posto para receber a dosagem do medicamento.

Em 2007, por decisão do Governo, as pessoas que ficaram confinadas nos mais de cem hospitais-asilos-colônias que existiram no país até 31 de dezembro do ano de 1986, têm o direito de receber pensão da Previdência Social, no valor de R$ 750 reais. É preciso fazer um requerimento, sem data para entrega, que será analisado pela Comissão de Avaliação das Pensões Vitalícias da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. As informações são obtidas pelo site da Presidência.

Outro Foco

Há quase dois anos e meio, o Complexo Hospitalar oferece curso para pessoas que convivem ou cuidam de portadores do mal de Alzheimer. Entre os assuntos abordados, o encontro para cuidadores aborda: a educação do cuidador, importância da prevenção, mudanças e aceitação da doença, medicamentos utilizados para o tratamento, qualidade de vida entre outros.

Hoje o Sanatório Padre Bento não existe mais. Deu lugar ao Complexo Hospitalar Padre Bento que na década de 80 ampliou seu atendimento para outras doenças, como hospital geral - e como todo hospital público, enfrenta problemas com a falta de verba.

É possível olhar os pavilhões antigos, que foram destinados a confinação de hansenianos durante 36 anos, e imaginar, talvez, a sinistra imagem de sangue dos dedos insensíveis dos pacientes que ajudaram a construí-los, e nos tijolos, ler suas histórias.

10 comentários:

Unknown disse...

oi , nossa estive no complexo padre bento hoje , e me imprecionei com o ambiente que aparenta mais o seculo passado do que eu esperava, procurei algo sobre a história do local mas só o que achei foi que era um antigo sanatoria e depois um hospital colonia , mas quase não achei fotos nem nada de acervo histórico esse ate agora foi o melhor atrtigo sobre o assunto que achei. Parabens

Rafael disse...

Nossa !!!
Essa hitória, eu sabia mas não deste modo, achei uma completa desumanidade tanto do governo e dos médicos que se dizem espertos (os sabem tudo), isto é um absurdo, já que foi comprovado que o isolamente de pessoas enfermas pode piorar a sua auto-estima, com isso a doença fica mais forte e neste caso que era uma doença sem cura ainda, acredito que muito morreram isolados sem ninguém por perto.
Não tenho dúvida quanto ao caso do Hospital ser mal-assombrado, depois de todos esses anos com esta crueldade, até eu voltaria pra assombrar o local rsrs.
Ótimo artigo, meus PARABÉNS.
Rafael Bittencourt "PUNKY".

Unknown disse...

MEU NOME É WALTER MANOCCHI, TENHO 75 ANOS, TRABALHEI NO ANTIGO
SANATÓRIO PADRE BENTO POR 33 ANOS. ACOMPANHEI DE PERTO O SOFRIMENTO FISICO DOS DOENTES E TAMBEM O PIOR DOS SOFRIMENTOS QUE ÉRA O PRECONCEITO. ÉRA TANTO QUE NIGUEM QUERIA TRABALHAR LÁ, E ERAM POUCOS OS MÉDICOS QUE SE SUJEITAVAM A ENCARAR OS DOENTES. TANTO ERA ESSA DIFICULDADE, QUE POR VOLTA DE 1.970
TIVE A IDEIA DE SE CONSTRUIR CASAS
PARA TENTAR ATRAIR NOVOS FUNCIONÁRIO. APRESENTEI ESSA IDEIA AO DIRETOR ADMINSTRATIVO, SR DECIO BERNI, QUE ME ENCAMINHOU A SECRETARIA DA SAUDE, DAÍ FOI UMA LUTA DE MAIS DE 15 ANOS, ATE QUE SURGIU O CONJUNTO HABITACIONAL PADRE BENTO.COMECEI COMO BRAÇAL, ENGARREGADO, CHEFE E SUBSTITUTO DE DIRETOR ADMINISTRATIVO. A MAIORIA DOS SERVIÇOS ERAM FEITO POR DOENTES, QUE GANHAVAM UM ORDENADO DA FOLHA DE LABORTERAPIA. O SANATÓRIO ERA UM BRINCO DE LIMPESA E JARDINAGEM. FOI CONSIDERADO PELA OMS COMO HOSPITAL MODELO. OS DOENTES TRATAVAM E TRABALHAVAM COM MUITA DEDICAÇÃO. AINDA ME VEM MUITAS SAUDADES DAQUELA ÉPOCA. A GENTE ÉRA FELIZ E NÃO SABÍA

celia berni disse...

Sr.Walter Manocchi, meu querido funcionário. Obrigada por ter citado o nome do meu pai " Décio Berni", que tanto se dedicou aos pacientes de Hansen. Não tinha mêdo de nada, respeitava os pacientes, respeitava os funcionários. Meu pai trabalhou mto. p. Hansenianos. Obrigada Sr. Walter p. lembrança. Célia Ma.Berni

celia berni disse...

Quero agradecer o Sr. Walter Manocchi por ter se lembrado do meu pai " Décio Berni", que tanto se dedicou aos Hansenianos do Hospital Padre Bento, em Guarulhos.
Célia Berni

Unknown disse...

Quero lembrar que meu pai, Décio Berni ,citado pelo Sr.Walter Manocchi, muito trabalhou em prol, dos hansenianos, não só do Hospital Padre Bento, mas também do Hospital Pirapitingui, onde começou como escriturário e morreu trabalhando pelos hansenianos.

Unknown disse...

Olá a todos boa tarde!Gostei muito do espaço para poder se comunicar com outros que viveram um pouco desse problema.Infelismente hoje minha mãe encontra dificuldade em conseguir comprovar sua internação compulsória da época de 1969,eles não encontram a documentação,minha mãe ficou internada durante dois anos,a médica que a tratava na época era a Dra Lourdes Orsi,tinha alguns conhecidos dos quais ela lembra era a Sra Antonia Basilio,esposa do sr Mineiro já falecido conforme informações da D.Angelina do Hospital Padre Bento.Ela lembra da sra Clarisse,tem tambem o Sr Geraldo que era funcionário tambem do Hospital e casado com a Vanda tambem interna.Ela lembra tambem de alguns nomes Valdira e Mateus que eram irmãos.O nome da minha mãe é Maria Irene de Souza Caldas ela era oriunda de Manaus,então peço que se alguem souber dar alguma informação vai ser de muita ajuda.

Unknown disse...

Gostei da matéria, meu apelido na infância era BERTÔ, minha mãe era portadora de HANSENÍASE, nasci nesse Sanatório Padre Bento, em 1965 e após o nascimento, no outro dia fui encaminhada para o Educandário Santa Terezinha-Carapicuíba! Sei que nunca conheci minha mãe, e também ninguém ia me visitar, segundo a cópia do meu prontuário que eu possuo...diz que a minha mãe me abandonou, mas agora sabendo dessa história há pouco tempo por outras matérias de os filhos serem arrancados a força de seus pais portadores de HANSENÍASE nessa época, é que me fez refletir "será que minha mãe me abandonou mesmo? Ou ela foi forçada a isso, tendo que ficar confinada como os outros no sanatório feito um animal? Tenho mais três irmãos por nome de ANÍSIA..JOSEFA E ALDEMIRO que até hoje eu não os conheço...minha mãe chama-se NAIR FRANCISCA ALVES, meu pai, AÍZIO VALÉRIO que esse último também não conheço! Sinceramente nem sei se todos vivem ainda...mas gostaria de saber deles!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Boa noite eu era interna do sanatório padre Bento turma de 64 a 67 era conhecida com Pietra conheci muitas amigas como Vanda,neuzinha Edna, Ditinha Antunes,a Thiago, Lazinha,Laura Nice e seu irmão, a Veronica, a Dona Rosa e muitas outras.

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