Vale Cultura, livre para escolher

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Considerado instrumento de acessibilidade, o Vale Cultura promoverá a inclusão sociocultural

As cortinas do Teatro Raul Cortez em São Paulo abriram, no dia 23 de julho deste ano, não para um espetáculo, mas para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentasse o final da longa discussão em torno das políticas de incentivo a cultura no país. E também para assinar a mensagem do Projeto de Lei que cria o Vale Cultura, benefício proposto pelo Governo Federal para ampliar o acesso da população de baixa renda às opções culturais.

O Programa de Cultura do Trabalhador destina-se a fornecer aos trabalhadores meios para o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura. Esse programa, tem como objetivo estimular visitações a estabelecimentos artísticos, eventos e espetáculos.

Segundo dados do (IBGE) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 14% dos brasileiros vão regularmente ao cinema. Além disso, 92% não freqüentam museus, 93% nunca foram a uma exposição de arte, 78% nunca assistiu a espetáculos de dança, somente 17% compram livros e mais de 75% dos municípios não tem centros culturais, museus, cinemas ou teatros.

De acordo com o Ministério da Cultura, apenas 13% da população brasileira tem contato com manifestações culturais. E de acordo com a (Ancine) Agência Nacional de Cinema, há um crescimento da indústria cinematográfica, porém a bilheteria não segue essa tendência.

Como primeira política pública governamental voltada para o consumo cultural, o Vale Cultura é uma política de inclusão social destinada a trabalhadores com rendimento mensal de até cinco salários mínimos, empregados em empresas brasileiras que declaram Imposto de Renda. Até agora, nenhum apoio financeiro foi destinado ao público, só foram financiados projetos que apóiam artistas e os criadores.

O Vale Cultura trata-se de um cartão magnético, com o valor preestabelecido de R$ 50 por mês, a ser utilizado no consumo de serviços culturais. Com o Vale o trabalhador poderá adquirir ingressos de cinema, teatro, museu, shows, livros, CDs e DVDs, entre outros produtos culturais. Será bastante parecido com o vale-alimentação que o trabalhador já conhece. Para José Carlos Ferreira de Andrade (40) funcionário de uma grande empresa em Guarulhos, na Grande São Paulo, o vale seria um empurrãozinho para que ele freqüentasse mais ao cinema e ao teatro. “Não sobra dinheiro para esse tipo de lazer. Acredito que se a empresa aderisse com certeza eu iria pedir”, diz.

Dos R$ 50 de cada Vale, as empresas arcarão com R$ 25, o governo com R$ 15 e o trabalhador com no máximo R$ 10. Apenas as empresas que pagam imposto com base no lucro real poderão disponibilizar o Vale Cultura. “Com exceção dos programas de TV aberta, nós não conseguimos incorporar nem 20% da população brasileira nos eventos culturais que acontecem no nosso país e o público é a parte principal de qualquer acontecimento cultural”, afirma o Ministro de Estado da Cultura, Juca Ferreira em entrevista para o site do Ministério da Cultura.

O que define a cultura?

Considerando como áreas culturais as artes cênicas, visuais, literatura e humanidades, audiovisual, música e patrimônio histórico, o leque se abre em muitas opções, mas não agrada a todos.

Um primeiro exemplo, são os alertas de grandes nomes da mídia e do cenário artístico estarem preocupados com o que leva o público ao teatro ou a um show de funk. Recentemente, o produtor cultural Nilson Raman levantou a hipótese de que o Vale Cultura possa se transformar em “vale-pinga, vale-mercado ou vale-carne, mais um vale qualquer coisa”. Entretanto, mesmo com projetos nos SESCs, nos centros culturais, o público tem na cidade ingressos a quase todos os preços, mas não a todos os gostos. Em segundo plano vem a preocupação com o risco de desperdício de bilhões, que se explica pelo clima de eleição estar perto para agradar trabalhadores, artistas e empresas.

Muitas questões devem ser levadas em consideração e seja lá qual for a manifestação artística, alguém pode dizer o que a população deverá consumir: livros de auto-ajuda, shows de brega ou forró, filmes blockbusters ou neochangadas nacionais? É o interesse e a vontade de conhecer que movimenta o público e não um possível dirigismo cultural recorrente? O uso do Vale Cultura, como uma realização popular, atinge a todos naturalmente, e popularidade nem sempre diz respeito a qualidade. A liberdade de escolha é fundamental, pois a cultura é campo que permite pensar as diferenças.

Afinal, o cidadão não vai porque não gosta ou não gosta por que não tem recursos ou acesso? Algumas pesquisas já indicaram ser o valor dos ingressos o problema. “Eu fui ao cinema uma vez esse ano. E olha que estou aqui todos os dias”, alega Janiele de Oliveira Rodrigues (19). Ao ser questionada do por quê em não frequentar mais lugares que promovem o exercício cultural, ela diz: “Eu nunca fui ao teatro, nem sei como é, mas imagino que seja caro.” Ela que trabalham em um shopping na Grande São Paulo e têm a poucos corredores de distância um Cinemark com cerca de 25 salas disponíveis.

Segundo pesquisas feitas por entidades contra a pirataria mostram que o público de classe desfavorecida tem acesso à cultura de uma forma bastante distorcida recorrendo em quase todas as vezes ao material pirateado. Ou na esperança que aconteça alguma manifestação cultural gratuita próxima a região em que vivem.

Na possibilidade de que o Vale Cultura seja estendido aos professores, a diretora de escola da Rede Pública do Estado, Cleusa Bomfim de Andrade (42) defende a iniciativa: “É um projeto extraordinário. Nós, professores, teremos acesso a um programa educativo que possibilita a diversidade. O aluno terá acesso a esse benefício não só na escola, por intermédio da bagagem cultural do professor, mas também em casa cujos pais terão acesso as mesmas condições socioculturais”.

Estimativas


O Ministério da Cultura espera gerar impacto nos mercados ligados às artes e ao entretenimento, aproximadamente, 12 milhões de pessoas poderão ser beneficiadas. O consumo cultural do país pode aumentar cerca de R$ 600 milhões por mês ou R$ 7,2 bilhões ao ano. “Haverá um mecanismo nos preços para atrair o dinheiro disponibilizado por meio do Vale e também para estimular a abertura de livrarias e espaços culturais próximos aos locais onde as pessoas moram”, acredita Juca Ferreira. Sem prazo de validade e a não obrigatoriedade de adesão por parte das empresas, Ferreira afirma que “na cultura, nada deve ser obrigatório”.

De autoria do deputado José Múcio Monteiro (PTB-PE) a iniciativa tramitava no Congresso desde 2006. Atualmente, o Projeto de Lei foi encaminhado ao Congresso Nacional por meio da Mensagem Presidencial nº 573, com pedido de tramitação em regime de urgência urgentíssima, ou seja, os deputados federais deverão votar a matéria em, no máximo, 45 dias para que o Vale Cultura possa atingir seu principal objetivo: a democratização do acesso aos produtos culturais.

Com apenas três comunidades no Orkut, onde se totaliza 24 membros até o dia 15 de setembro, o Vale Cultura, no sentido de aumentar e formar platéias que consomem arte, ainda vai dar o que falar, o que assistir e o que ouvir. E como qualquer projeto, precisa e deve ser aperfeiçoado. Afinal, como dizia aquela música dos Titãs, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

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