Bom dia Motorista!

sexta-feira, 26 de março de 2010

José* enfrenta horas de trânsito, mas continua com um sorriso no rosto

São 5h30 da manhã e ainda está escuro. Após beijar a esposa Marta* (35) e a filha Letícia* de apenas cinco anos, José de notáveis 46 anos sai de casa numa manhã extremamente gélida de terça-feira.

Assim como muitos trabalhadores, precisa enfrentar horas de trânsito e ônibus lotados todos os dias. Porém de segunda a segunda ele senta no mesmo lugar do ônibus todas as vezes: atrás do volante.

José, mais conhecido como Geléia, é motorista de ônibus em Guarulhos, na Grande São Paulo. Dia após dia sai de casa para guiar o veículo da
EMTU com capacidade para 61 passageiros que na verdade sempre lota e comporta quase o dobro de pessoas. São aproximadamente 25 viagens durante todo o horário de expediente, sempre o mesmo caminho, os mesmos rostos e os mesmos engarrafamentos na Marginal Tietê. O percurso leva entre 25 a 30 minutos do bairro Traquilidade em Guarulhos, até a estação Tietê na linha azul do metrô. Entretanto em dias de não muita sorte, ou quem sabe, dias de chuva ou dias com muitos veículos nas ruas - o que acontece sempre, o percurso pode durar até 2 horas.

O motorista é sempre sorridente. A cada passageiro - criança, adulto, idoso, homem ou mulher - ele abre um sorriso. Faz piadas e comenta das barbaridades no trânsito. É muito raro alguém não chamá-lo pelo nome ou pelo apelido que os amigos colocaram.

José é conhecido. Tem olhos claros e pequenos, além de uma barriguinha proeminente para sua idade. Se interessa por coisas eletrônicas e pela família, está sempre conversando com alguém a respeito e com respeito.

Conhecer a vida de todo mundo às vezes é complicado e José sabe muito bem disso. Por isso que certas conversas não devem ser ouvidas num banco de ônibus. Mas para todos os passageiros que usam a linha de ônibus, José conversa como se fosse um amigo, um camarada.

As estressantes horas de trabalho são repletas de assunto. Entretanto já foram sofridos alguns assaltos, dentre eles alguns a mão armada, milhões de xingamentos de gente mal humorada e de “cara amarrada”, sempre com pressa, como ele mesmo define. Mas José revida: “Eu fico sentado o dia inteiro, dirigindo pelo mesmo caminho durante um tempão, dependo do trânsito, mas mesmo assim eu sou feliz. Tecnicamente, sou um chofer dos pobres, mas aguentar mau humor, ninguém merece”, diz.

O motorista acredita que o caos no trânsito se explique pelo fato das pessoas acreditarem que o transporte é muito ruim. “Realmente é ruim pegar ônibus cheio todo dia, mas acredito que se colocassem mais ‘carros’ (referindo-se ao ônibus) nas frotas as coisas no trânsito iriam melhorar. A cada dia tem pelo menos milhões de veículos nas ruas, de caminhões a fuscas. Será que as reformas da marginal ou de outras rodovias vão melhorar a situação? Eu acredito que é mais espaço para mais carros”, afirma.

Na hora do intervalo de apenas alguns minutos, para uma refeição, o motorista fala dos seus 20 anos dedicados a, idas e vindas dentro de um ônibus. José diz que conheceu muita gente boa, muitos “tiozinhos” e “vovozinhas”. Ele conta uma história em especial, sobre uma senhora que sempre pegava o ônibus até o ponto final e voltava sem descer em nenhuma parada. José se recorda do dia em que falou com ela. “Foi muito marcante para mim porque ela andava de ônibus para não ficar sozinha em casa. E como ela era aposentada não pagava a viagem, por isso ela andava tanto para lá e para cá”, explica. Um dia ela parou de subir pela porta da frente do ônibus e José nunca mais soube dela.

Com intervalos de poucos dez minutos entre uma viagem e outra, as histórias de vida são as coisas mais comuns que José escuta, mas também podem ser exemplos chatos e tristes que aconteceram, desde preconceito a agressões sem motivo.

Ele prefere não lembrar de nada disso, porque as pessoas que entram e saem pelas portas automáticas e lentas do ônibus têm lá os seus problemas. “Quem sou eu pra julgar, não é? Só acho que cada um deveria ser um pouquinho mais agradável com as pessoas que passam pelo nosso caminho”.

Por volta das 17h47 ele volta para a garagem e entrega o ‘carro’ para a central. Conversa com amigos da empresa, pega suas coisas e se dirige ao ponto de ônibus para voltar para casa. Ele não paga a passagem, sorri e precisa pagar a promessa que fez para a filha de voltar cedo para casa e ver desenhos animados na TV.

*[Os nomes foram trocados para preservar a identidade do entrevistado]

8 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Só uma correção: veículo da EMTU.

De resto, perfeito! Gostei muito da reportagem, que focou no lado humano do motorista. Há alguns motoristas e cobradores mal-humorados, mas a maioria é bem-humorada, gosta de contar histórias e é prestativa para dar informações.

Parabéns!
Felipe Cordeiro

Aline Bomfim disse...

Obrigada Felipe pelo toque. Me enganei, pois este motorista já dirigiu carros de Guarulhos e de SP. Obrigada mesmo =)

Unknown disse...

Fantástico! Você é perfeita, está provado!rss

Parabéns pela literária!

Unknown disse...

Ah, não assinei! Ms você já deve saber quem é...

bj nega!

Will disse...

Muito show seu blog! Parabens. Seguindo =)

Bruno Felipe Brito disse...

Bom dia!
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