Mulheres do Mundo

domingo, 5 de julho de 2009

Exposição do fotógrafo Titouan Lamazou é uma homenagem a todas as mulheres do planeta

“Não nos orgulhemos de assimilar os costumes. As raças, as nações. Os outros; Ao contrário, alegremo-nos por jamais sermos capazes de fazê-lo, reservando-nos assim a perdurabilidade do prazer de sentir o que é diverso”.

A frase é de Victor Segalen, (escritor francês) e está na exposição fotográfica de Titouan Lamazou na OCA, no Parque do Ibirapuera em SP.

Vale à pena dar uma passadinha na OCA e conferir a exposição Mulheres do Planeta que depois de um grande sucesso na França, chega ao país como uma das mais importantes exposições do artista francês, como parte da programação do Ano da França no Brasil.

Lamazou é artista da UNESCO para a paz. Nascido em Casablanca, no Marrocos, radicado na França viajou o mundo durante sete anos e percorreu 15 países (Corno da África, Polinésia, Índia, Indonésia, Afeganistão, Brasil, EUA, África, Palestina, China, Austrália, Colômbia, Sibéria, Europa e Mauritânia) para tentar traçar o perfil da mulher pelo mundo. “O que me interessa são as gentes, mais geralmente os seres vivos que considero como pessoas autônomas emancipando-me de toda a consideração histórica, étnica e com mais razão ainda nacional e religiosa”, afirma em introdução à obra que exibe mais de três mil obras e 50 vídeos, de mulheres nos mais diferentes lugares do planeta.

A mostra, orçada em R$ 2 milhões, apresenta uma variedade de retratos no qual o artista mostra toda a diversidade das mulheres contemporâneas, sobretudo, mostra a força e coragem do sexo “frágil”, de mulheres marcadas pela independência.

Para as mulheres, maior parte do público no museu, a exposição é uma verdadeira homenagem. Para Izabel Pereira, empregada doméstica, 78 anos, a exposição é “incrivelmente linda”. Mesmo após uma cirurgia vascular nas duas pernas aceitou o convite de comparecer a OCA no último domingo. Ela sorri e se pergunta: “O que é preciso pra estar aqui?”.

Dona Izabel, simpática fala rapidamente com a voz rouca sobre sua vida “sofrida” como ela mesma diz. Aos 16 anos veio da Paraíba para São Paulo onde tinha o sonho de ser feliz. Na vinda para a capital tentou fugir da seca e da fome do nordeste. Mesmo assim, passou fome, morou na rua, sofreu um aborto e trabalhou em tudo o que era oferecido, até conseguir um emprego numa sapataria. “Ali eu consegui ser alguém”, diz ela quase chorando. Grávida pela segunda vez aos 18 anos começou a trabalhar como empregada doméstica e conseguiu ter uma casa própria junto ao marido já falecido. Izabel que estudou até a 3ª série, mal sabe ler ou escrever, mas diz: “Nós mulheres somos muito fortes. Agüentamos muito mais do que os homens”, diz ela olhando para a filha e o cunhado que a acompanharam por todo o percurso dentro da OCA. Sua filha, Marta Pereira Frias diz: “Minha mãe é um exemplo de mulher e merecia estar na exposição só por ser ela mesma”.

Ser Mulher

A idéia da exposição surgiu a partir de uma viagem feita em 2002, quando Titouan teve contato com ritos de passagens pelos quais mulheres africanas sofriam, como a mutilação da genitália feminina.

Não é preciso ir muito longe para encontrar mais mulheres transitando por amplos painéis de fotografias, pinturas, vídeos, textos e desenhos realizados pelo artista. A obra retrata personagens de diversas classes e situações sociais. As mulheres, que “são o próprio mundo”, segundo o francês, são identificadas apenas pelo próprio nome e localidade. Sem nenhuma ordem específica ou diferença, elas são mostradas no mesmo nível: uma prostituta, uma refugiada, uma guerrilheira, uma bailarina ou uma mutilada na África. Além de um retrato da atriz popular Dercy Gonçalves, falecida em 2008 com 101 anos.

Mas o que concede maior riqueza ao trabalho são os depoimentos destas mulheres, exibidos nos vídeos ao longo da exposição. Dançarina, profissional do amor, advogada, mãe, cabo do exército, atriz, striper, ativista, sacerdotisa, professora, artista de circo. Todas estão presentes no trabalho de Titouan, em imagens que criam um quadro no qual é possível imaginá-las em suas vidas diárias, questionando muitas vezes suas próprias escolhas.

Para a estudante Camila Chagas, 19, sua mãe deveria estar na exposição Mulheres do Planeta. Marlene Chagas faleceu aos 28 anos após um diagnóstico tardio de câncer de mama. “Eu me lembro de muita coisa da minha mãe. Na época, com cinco anos lembro de ver meu pai chorando. Eu nunca havia visto meu pai chorar até aquele dia, isso para mim foi marcante”.

Camila participa de grupos de apoio a mulheres com câncer e pretende estudar medicina . “Sinto falta da minha mãe todos os dias, é inevitável. Não quero esquecê-la nunca, por isso prefiro chorar às vezes”.

A história dos gêneros é a história da mulher se revelando contra os papéis estabelecidos, buscando outros, mais libertadores, que permitam exercer direitos e ser respeitada em todas as suas escolhas.

Lamazou também criou a ONG, Lysastrata (Associação pela Defesa dos Direitos das Mulheres do Mundo), para ajudar mulheres de todo o mundo. “Para os problemas que têm, sei que não precisam de fotos, mas de dinheiro”, explica.

Três frases, numa leitura rápida de depoimentos dessas mulheres vistos nos vídeos mostram que independente do lugar ou da situação a essência da mulher é a mesma. A primeira é de Hirâ, intocável do Rajastão na Índia: “Os homens de antigamente eram ruins, os de hoje são piores. E eu não acredito em Deus. Não há milagres em nossas vidas”. A segunda frase é de Juana, professora da zona rural em Baixo Putumayo na Colômbia: “Durmo com um homem que é bom acordar todas as manhãs”. E a terceira frase é de Daisy, definida pelo francês como Lisístrata* dos tempos atuais: “Não sejam meigas, nem carinhosas, e deixem de fazer boquete. Nada de transar até que eles parem de brigar.”

Mais

A Casa das Rosas prepara uma programação junto à exposição "Mulheres do Planeta". Traz para o público o trabalho de diversos poetas contemporâneos. Além de leituras, há apresentações musicais e peças teatrais, até 11 de julho. As apresentações acontecerão todos os domingos durante a exposição, das 16h às 19h.

A exposição conta ainda com o patrocínio do Bradesco, Ministério da Cultura, da Natura e com o apoio da Prefeitura de São Paulo, SP Turismo, França.BR, Airfrance, FNAC, Canson e Philips.

Sobre o que é necessário para estar ali, não há o que afirmar. Porém, Carlos Eduardo de Andrade, 23, um homem, em sua minoria alega: “Para estar aqui? Basta ser mulher”.



(Imagens de Titouan Lamazou)

* [Personagem de uma peça de Aristófanes de mais de dois mil
anos atrás, heroína feminista, convenceu a assembléia das mulheres
a negarem seus “favores” enquanto durasse a guerra entre Esparta e Atenas].

0 comentários:

(+) Últimos intelectuais